Pipa das Estrelas - por Marcella Reis



Sabe Mãe,
Eu quis mais linha do que a lata de óleo alimentar tinha 
enrolada em seu corpo metálico e cilíndrico
Eu quis ser uma pipa das estrelas
Passei cola e cristal na minha linha e torei a ponta de uma estrela bem grande
Tu ficaste com a lata vazia na mão e um toco de linha a encardir as puras lembranças de nós
Do resto que foi comigo para o céu,
eu fiz um baloiço onde me acento na minha própria armação de bambu...

Sabe Mãe,
Não adianta me empinar mais,
Nem colocar o dedo indicador para cima para ver se tem vento
A minha pipa não precisa mais de papel de seda por que criei asas
E nem tão pouco de rabiola de sacolinha para me dar estabilidade
Agora eu consigo me equilibrar no chão do céu

Por aqui há um engarrafamento grande de pássaros,
Gosto de observá-los...
Gosto de me meter no meio deles
E de admirar os barcos de longe
Quando eles atravessam as nuvens

Aqui não me falta nada
Nada mesmo...
A não ser o tudo que tu és para mim
Tenho saudades do vento que sopravas para dentro dos meus pulmões de pipa
com todo o seu amor...
Do teu sorriso frouxo e
Dos teus olhos tão profundos
E paradoxalmente rasos nos quais eu podia nadar sem boias
Olhos meus como os teus...

Sabe mãe,
Eu ainda sou o teu menino pipa
Que foge com qualquer vento
E que volta com o calor quente da brisa de tua doce reza mascavada
Teu coração ainda é o travesseiro
Onde a minha consciência de papagaio descansa tranquila

A tua voz dá voz a minha escrita
E cada linha dos meus versos
São a linha de que preciso para voar aqui em baixo novamente
E desmistificar todo o segredo incompreendido...
Cada verso é o vento intemporal que me dá mais força para voar e voar...
A lata de óleo alimentar não está vazia...
Sinto que me alimentas de esperança todos os dias
E que levas o teu Menino/Pipa a voar irreversivelmente para o mundo da poesia

Voar para perto de ti, mesmo estando eu tão longe aqui no céu
É sempre muito difícil,
Por que mesmo estando tu na terra, estas de mim muito alta...

Sabe mãezinha,
Eu ainda sou o teu Menino e a tua pipa ancorada no teu peito e...
Eu só queria um pouco menos de linha 
para enrolar os meus braços no teu corpo de carne quente macia
e me alimentar de todo o teu amor!

*Marcella Reis  é escritora

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