1ª entrevista com Arthur Miranda - Tema: Drogas, pague para entrar, reze para sair





1ª Entrevista com Arthur Miranda¹ – Goiânia, 22 de maio de 2013

Entrevista dada os estudantes do curso de Educação Física da Universidade Salgado de Oliveira sob a orientação do doutor e professor Marcelo  Alburquerque²

01-               Quando e por que você começou a usar drogas?

Comecei a usar drogas aos 14 anos, iniciei com bebidas alcoólicas e depois a fumar cigarro comum e em seguida a maconha. A primeira vez não senti o efeito que todos os usuários afirmam sentir. Alguns perguntam o “por que” e se usamos drogas para encontramos uma maneira de nos anestesiar do mundo e das nossas frustrações. Mas não existe esse “por que”, pois quem começa a usar droga já tem, já trouxe, desde sempre, no seu organismo a doença da adicção... a fissura, a ânsia...e isso é explicável cientificamente, basta procurar. O que acontece no inicio é que a gente sente uma curiosidade maluca causada por essa fissura e só por isso experimenta.

Depois que experimentei a maconha não senti vontade de fumar novamente, porque não deu liga. Mas havia um Chegado meu (foi ele quem fumou comigo a primeira vez) cujo irmão fora assassino por traficantes; esse Chegado, era usuário desde os doze anos, mas depois da morte do irmão decidiu parar. Ficou quase um ano limpo e sem buscar auxilio de irmandade de NarAnon foi ao seu limite e disse-me que não aguentava ficar sem fumar e que voltaria ao uso.

Eu até pensei em ajuda-lo, mas não o fiz. Sequer defendi a tese de que ele deveria parar. Pelo contrario, eu disse a ele que eu fumaria também, pois tinha medo que ele se envolvesse com pessoas que não se importariam com sua vida e o trairia da mesma maneira que aconteceu com seu irmão. Foi assim dei inicio a minha adicção ativa.

02-              Em que momento você percebeu que estava dependente e que precisava de ajuda?

No inicio fumava maconha apenas por diversão, nos finais de semana, feriados ou festas. Mas com o decorrer do tempo aquilo começou a fazer parte do meu cotidiano, e dos 5 anos que usei essa droga, metade desse tempo fumei todos os dias. Não achava que estava me prejudicando, mas que eu usava para viver e vivia para usar. No fim da minha adicção ativa comecei a prejudicar meus familiares e principalmente minha mãe. 

Nunca me considerei um dependente, pois achava, a todo momento, no controle. Até que no final de 2012 me ocorreu um Franco-Surto-Psicótico, no qual ouvia vozes distintas, sussurros e frases bem elaboradas;  eu estava certo de que pessoas me perseguiam e passei a acreditar que todos, inclusive a minha família, queriam me matar. No dia 31/12/12 já fazia um mês que estava escutando essas vozes, e quando minha mãe me via, percebia que estava deixando de ser eu mesmo, e nesse dia me levou a uma clinica psiquiátrica para me internar. No inicio eu não quis ficar, pois achava que as coisas que eu escutava eram verdade, mas a psiquiatra me falou que eu estava em um quadro grave de surto psicótico com risco eminente de suicídio e eu era risco para mim e para os outros. Isso justificou  a minha internação compulsória.

03-              O que te levou a procurar essa ajuda?

Não procurei ajuda, o surto-psicótico me fez parar. Mas a internação de um mês, fez com que eu parasse de ouvir as vozes e percebi que elas ocorreram por causa do uso exacerbado da maconha.

04-             Quais as sensações que você sentia quando estava sobe os efeitos da substancia que usava? E após o efeito.

Quando eu estava alcoolizado me tornava agressivo e brigava com todos a minha volta, às vezes até fisicamente. Depois que comecei a fumar maconha, deixei de beber a quantidade que eu bebia e comecei a gostar mais da onda que a maconha oferecia. Sentia-me tranquilo, é como se os músculos respondessem ao efeito da droga e eu ficasse mais “de boa”. Às vezes usava pra esquecer os problemas da faculdade, pois depois que comecei a fumar não me dava bem nos estudos... eu devia estar no 3º período de Arquitetura e ainda estava fazendo a maioria das matérias do 1º.  O uso me deixava ocioso e logo eu que sempre me destaquei em tudo que fiz, agora me via sentado no “fundão”, desinteressado de tudo e assistindo  o sucesso dos outros.

Usando o álcool tive coma alcoólico 4 vezes, e em todas elas eu briguei, feri e sai ferido. Usando somente a maconha nunca me ocorreu de sair do controle e fazer coisas que eu não queria, porque como disse ela me deixava de boa, mas só até me ocorrer o Surto Psicótico.
Eu experimentei cocaína, e fiz o uso dela umas 10 vezes, mas nunca gostei da onda que ela proporcionava, pois gostava de ficar mais de boa e não pilhado. Tomei LSD uma vez e isso fez com que eu achasse que podia escutar ainda mais longe, chegando ao ponto de perceber que estava escutando tudo o que ocorria na festa. Achei a onda do LSD muito surreal.

Quis experimentar Ecstasy para comparar a onda dele com a da cocaína e no inicio não curti muito, mas mesmo assim cheguei a usa-lo duas vezes em festas distintas. Quando usei essa droga pensei que estava escutando 10 vezes mais que o normal. Então voltei para a usar só maconha.  Depois de usar eu sentia um vazio dentro de mim, mas como não sabia identificar e não queria acreditar que era pelo uso da droga que eu tanto gostava; usava então para anestesiar esses pensamentos e esse vazio. Foi assim criei meu ciclo vicioso, tanto material quanto espiritual.


05-              Você chegou a se humilhar para conseguir algum tipo de droga?

Nunca precisei me humilhar para conseguir droga, por que a droga que eu usava não é tão cara. Quando ia comprar reunia o dinheiro com os amigos e comprava uma quantidade maior, por que saia mais barato e depois dividia entre os que contribuíram. Era dessa maneira que eu conseguia droga, juntando o maior número de pessoas possíveis, para conseguir uma maior quantidade e assim não ficava sem droga.

06-              No período em que era usuário você chegou a oferecer para alguém próximo ou a estimular alguém a usar?

No inicio quando usava somente com o meu Chegado, usávamos escondido e não cheguei a oferecer pra ninguém, por que não queria que ninguém soubesse. Mas quando comecei a usar todos os dias, ofereci para todos meus amigos, para o irmão mais novo do  meu Chegado e para  um primo que usou algumas vezes, nas fezes em festas que eu organizava, mas hoje, graças a Deus, não usa mais.

Todos que eu oferecia aceitaram e infelizmente estão usando até hoje, devo reparações a todos eles, mas a forma como encontrei para fazer isso é os chamando para frequentarem comigo o NA – Narcóticos Anônimos, grupo do qual eu sou membro. Porém eles estão no autoengano, e eu sei como é isso, pois vivia nele 24 horas por dia. Talvez eu consiga mostrar o bom caminho a eles.

07-              Você acha que o seu ciclo de amizades te influenciou a entrar para o mundo das drogas?

O ciclo de amizades me influenciou ao uso, e depois a permanecer nele. Eu tinha uma capacidade de manipular incrível e com ela fiz com que muitos dos meus amigos de infância usassem maconha comigo, pois achava que aquilo era como uma onda maravilhosa e que mais cedo ou mais tarde pegaria todos.  Quero ver agora se a minha incrível arte de manipular conseguirá prova-los de que eu estava muito errado quanto a pegar essa onda.

08-              Quando começou a usar drogas, pessoas do seu convívio familiar e outros podem ter se afastado, ou terem mudado a forma de se comunicar. Você acha que isso pode ter influenciado no aprofundamento do vicio?

As pessoas do meu convívio familiar nunca mudaram o jeito de ser comigo, pelo contrario, eu mudei o meu comportamento perante elas e mesmo assim elas não se afastaram, eu que me afastei de meu verdadeiro eu a cada momento que usava, criando uma barreira entre mim e as pessoas próximas. Este bloqueio fez com que eu me aproximasse apenas de pessoas que usavam e isso sim fez com que me aprofundasse no uso.

09-              Qual é a melhor coisa que a reabilitação trouxe de volta a sua vida?

Primeiramente a melhor coisa que eu consegui fazer após me reestabelecer foi andar de cabeça erguida perante a sociedade, pois quando usava vivia as margens da sociedade e isto fazia com que eu não a encarasse da forma como ela é. É como se os adictos criassem um mundo para si e vivem na esperança da sociedade aceita-los da forma como eles são. Depois é a gratidão que eu tenho pela minha mãe e irmã, que nunca desistiram de mim até no momento de insanidade. Agora dou graças a Deus ao ver um sorriso no rosto delas e perceber que estou reconquistando a confiança que eu havia perdido.

10-              O que você pode diria para alguém que acaba de tomar a decisão de procurar ajuda e se reabilitar?

Não gosto dessa palavra “reabilitar”, pois quando paramos de usar drogas iniciamos uma terceira vida e ela é muito melhor do que a vida antes de usar, pois só nós, adictos em recuperação, sabemos o sofrimento e provações que passamos para nos manter limpos. Então não é reabilitar é  reestabelecer um nascer de novo a cada dia, é virar um colecionador de “Só por hoje”.

Esse nascer a cada dia nos traz muitos benefícios, pois com ele percebemos melhor como as pessoas a nossa volta são. Pessoas de boa e má índole são facilmente detectadas por adictos em recuperação(quando digo adicto em recuperação, estou de pessoas que já usaram drogas e hoje se mantem limpos um dia de cada vez), por isso trocaria essa palavra “reabilitar” por “reestabelecer”.

Portanto reestabelecendo um novo ser a cada dia: o dia que passou e ele ficou “limpo”. O adicto em recuperação é uma pessoa melhor a cada dia. E se o adicto cair, começará uma nova coleção de “Só por hoje” e assim vai ser para todo o sempre.

Para a pessoa que esta pedindo ajuda e quer se reestabelecer, eu a convidaria para o grupo de NA - Narcóticos Anônimos, onde existe um grupo de ex usuários de qualquer droga, pois também consideramos o álcool e a maconha como drogas e estas pessoas se reúnem todos os dias para trocar suas experiências e falar como é bom poder estar limpo. O único requisito para ser membro de NA é o desejo de parar de usar drogas e comprometer a seguir os 36 conceitos de NA. Com isso você encontrará uma nova maneira de viver e perderá o desejo de usar, pois a vontade vem, mas ela passa assim como o soprar do vento.

Mas se sou convidado para essa entrevista e se me permitem um conselho dá: o meu conselho é que se você ainda não experimentou, NÃO experimente, pois entrar, a gente entra por curiosidade – é fácil entrar. Permanecer é uma viagem e tanto – mas para sair, meu irmão, só rezando. Na verdade ninguém sai dessa, uma vez que você DECIDE dizer “sim”, já era. Estará acorrentado para sempre.

ACREDITE, vai por mim: é melhor passar pela existência, inocente dos prazeres da drogadicção do que se arriscar e embarcar nessa onda ignorando o fato de ser um agente portador da dependência química e da pré-disposição genética ao transtorno mental e com isso, passar o resto da vida tentando, em vão, se livrar das consequências que “onda” lhe trouxe.

Goiânia, 22 de março de 2013.

¹Arthur Miranda, 20 anos, estudante de Arquitetura da Universidade Estadual de Goiás. Se manteve limpo por cinco meses e 27 dias entre janeiro e junho de 2013. Nos dias 27 e 28 de junho fumou maconha e outra vez entrou em surto-psicótico. No dia  30 foi internado em uma clínica particular. Sua medicação foi aumentada, redobrada, mudada, mas nenhum remédio era forte o suficiente para livrá-lo das alucinações e das vozes e depois de 48 dias vivenciando esse tormento, ele buscou a paz na “automorte”.  Arthur Miranda (26/06/1993 – 17/09/2013) deixou um manuscrito que será transformado em livro. Esta entrevista fará parte dele. Ele nasceu no dia 26 de junho, dia Internacional de Combate ao Uso e ao Tráfico de Drogas.


² Marcelo Albuquerque é professor e psicólogo. Atende na Clínica São Francisco de Assis - Especializada em dependência química – Aparecida de Goiânia – Goiás. (www.centroclinicofassis.blogspot.com.br)

Um comentário:

  1. Esse Arthur Miranda não é o antigo comediante de Televisão atualmente aposentado e vivendo em Lorena - SP. conhecido também como Tutu. autor do livro Cristo do Inps a TV.

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